quarta-feira, 29 de maio de 2013

29 - AS PRAIAS DA PATAGÔNIA


É chocante mas, tirando pingüim e foca, quem é que vai tomar banho de mar numa praia da Patagônia?!
Olha o que diz o release de uma agência turística argentina:
A temperatura média no verão é 10°C, com mínima de 4°C.  A melhor época do ano para visitar a Patagônia depende do que você quer visitar ou vivenciar. Por exemplo, o verão é melhor para caminhadas, ver os lagos cristalinos, observar geleiras, visitar os parques nacionais, observar fauna, realizar cavalgadas etc. No verão os dias são muito longos; já o inverno é indicado para quem quer curtir o branco e o fascínio da neve, com uma boa gastronomia e os famosos vinhos na beira da lareira. Os ventos são frios e fortes em qualquer época do ano. 
Aí não diz nada sobre praias nem banhos de mar, diz?  Será porque os chilenos e argentinos não querem promover as praias da Patagônia? Serão burros? Talvez fãs de Pinochet ou Cristina Kirchner?
Eu lamento pelos familiares e amigos do carinha, e mais ainda porque era jovem e perdeu uma existência, mas cês não acham que ele merecia ser comido por quatro orcas, em vez de duas?
Ah, é muito nerda pro meu gosto...


28 - CACETE

Recebi mensagem da minha amiga Baronesa, a respeito de um videozinho que publiquei na Internet sobre os 200 anos do nascimento de Richard Wagner.
Nélson Rodrigues disse: Todas as vaias são boas, inclusive as más. Esta sua, Sra. de Nhumirim, é das mais malvadas.
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Wagner, acho que o Sr. fez porque tinha que fazer... texto broxante... e medíocre... ''artistas desonestos'' é de doer, quais os honestos?... pela madrugada!... e um trem que não acaba, listagem de românticos... um por um... funcionário público fazendo relatório na marra... e eu anelando por W.!
(...) lembro que Munique + Speer filmados pela Leni fizeram cenas brilhantésimas sob a música wagneriana... que aula esplêndida de História sairia disso! há muito o que descobrir e contar.......
foi a sua primeira aula inaceitável !
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Nem vou copiar a mensagem inteira, foi daí pra baixo. Levei um cacete. Foi mais do que uma vaia, foram apupos, praticamente uma lapidação. Lamento que a Sra. não tenha postado esses comentários diretamente no meu blog; seria mais instigante e talvez uns 2 ou 7 dos meus leitores ficassem mais ilustrados, quem sabe até contentinhos de alguém ter escrito essa diatribe que eles podem achar merecida mas não têm tempo a perder. 
Helene Bertha Amalie Riefenstahl, de apelido Leni, só é conhecida por ter sido a cineasta que dirigia filmes de propaganda para Adolf Hitler -- aquele paranoico esquizofrênico que fazia o possível para tornar a cada dia mais ridículo o seu bigodinho e a cada noite mais cruéis os seus delírios patológicos. Na juventude, Leni tentara ser bailarina, mas não foi feliz; Adolf tentara ser pintor de quadros, mas também não foi feliz. Juntos, deram  certo, ao menos até 1945, quando ele desapareceu e ela foi filmar tribos negras na África.
Aos 80 anos se encheu disso tudo e virou fotógrafa submarina. Faleceu em 2003, aos 101 anos de idade, possívelmente comida por umas orcas preto-e-brancas, coitadas. Há especialistas em arte cinematográfica que a consideram um gênio; a tal respeito me calo, sei muito pouco, porém vou perguntar ao Danilo Warick (meu primo cineasta que trabalha na Europa), a Lucas dos Santos (cineasta emérito e compositor premiado) e à Baronesa de Nhumirim (crítica de cinema tão linda quanto impiedosa). De Leni Riefenstahl a Hitler, deste a Richard Wagner.
Cujas ideias sócio-políticas sempre foram rigorosamente fascistas. Não que ele desse a mínima importância a isso, ou a qualquer coisa da qual não pudesse tirar proveito pessoal; protegido por seus princípios amorais, dedicou-se sempre com afinco à prática de imoralidades. Em outras palavras: quando não estava escrevendo música genial, Wagner estava sacaneando alguém. 
Hitler tinha só 6 aninhos quando Wagner morreu. Quando escreveu seu livro "Minha Luta", na prisão, o maluco já escolhera a trilha sonora perfeita para o nazismo. Juntou a fome com a vontade de comer. Tudo isso vocês já sabiam, tá tudinho no Google; só estou aproveitando para explicar que diabo estou eu  fazendo aqui no Facebook. 
(1.º) Tenho absoluta certeza de que poucos dos meus facebookers sabem quem foi Albert Speer, portanto não se interessariam em ler aqui, ao som da "Cavalgada das Valquírias", um estudo sobre as relações estéticas entre um gênio da música e um arquiteto megalomaníaco.
(2.º) Não é uma aula do meu curso audiovisual de Introdução à História da Música; é um excerto, a parte final de uma única aula.
 (3.º) Conforme está escrito em letras grandes no início do vídeo, não é uma aula sobre Wagner; é sobre o final do período estético chamado Romantismo.
(4.º) Não acho que seja mera listagem burocrática de autores românticos; são alguns dos maiores compositores contemporâneos de Wagner, ao som de uma das mais lindas interpretações de uma das mais perfeitas canções de uma das melhores óperas jamais escritas
(5.º) Se alguma vez aparecer aqui na minha página um texto falando qualquer coisa boa de um nazista, só há duas possibilidades: ou é falso ou eu esquizei definitivamente. 
Tudo isto posto e argumentado, ordeno que
1.    a Sra. ajoelhe no milho – pode ser de pipoca, pra não ferir vossos belos joelhos -- e medite sobre o efeito dos raios gama nas margaridas dos campos da Bavária;
2.     peça-me perdão;
3.     renegue imediatamente tudo que me escreveu;
4.     jure por Deus que não me vem mais defender esses nazistinhas que o lixo da História já se encarregou de reciclar;
5.     cante dez vezes nossa canção favorita enquanto chupa drops de aniz.      
         



http://www.youtube.com/watch?v=pES9nedkML8

terça-feira, 28 de maio de 2013

27 - QUEM MATOU O GATO ?

Talvez seja uma questão de biorritmo, não sei; o fato é que não funciono bem na parte da tarde. Não consigo ser totalmente feliz entre 13:00 e 17:00 horas, mais ou menos, o que pode explicar em parte a minha alegria nos muitos anos em que trabalhei como músico “da noite”. Nos países mais atrasados e corruptos do mundo (como Somália, Burundi, Timor Leste, Brasil...) é costume estar calor nesse período, portanto as pessoas honestas preferem fazer sua sesta enquanto os gatunos e políticos aproveitam para arquitetar suas maracutaias.
-- Então por que você resolveu ir morar em Ubatuba?! – perguntam-me os amigos quando falo dessa minha idiossincrasia. – Devia ter ido morar na Suíça, meu!
Ocorre que tem algumas coisas que eu detesto ainda mais do que trabalhar à tarde, sendo a principal delas o frio, e lá é gelo durante nove meses do ano. Quando a temperatura atinge incríveis 15ºC a turma fica pelada e vai correndo pra piscina, coisa boa pra deixar pingüim feliz. E, já que estou falando em coisas que odeio, acabo de voltar à frase anterior porque o Bill Gates resolveu corrigir automaticamente o meu pingüim, tirando-lhe o trema. Só que pinguim é “pingo pequeno” de mineiro, uai! Senão fica como me aconteceu outro dia, ao escrever a letra da música “O Pato” para um aluninho sabido:

O pato vinha cantando alegremente – quem quem
quando o marreco sorridente pediu
para entrar também no samba...

-- Fessor, cê esqueceu o ponto de interrogação. – corrigiu-me o garoto.
Eu sempre soube que patos não falam, apenas perguntam, de modo que suspirei fundo e até considerei explicar-lhe por que razão fizeram mais uma reforma ortográfica na língua portuguesa, qual seja facilitar a vida léxica de países que já produziram tantos literatos importantes, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé-Príncipe e Timor Leste. Claro que poderiam fazer tais gentes ler um pouco de Camões, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, José Saramago, esses escritorezinhos antiquados, porém isso levaria muito tempo e daria a eles um trabalhão, além de deixar nossos acadêmicos sem mais o que fazer senão tomar chá com bolinhos-de-chuva.
-- Unificar o idioma, eis o busílis – disseram magníficos escritores como José Sarney, Marco Maciel, Paulo Coelho e Ivo Pitanguy – chega ou querem mais?
Desisti de explicar, até porque teria também que contar a ele que a Sorbonne deu a Lula da Silva um título de Doutor Honoris Causa, e aí ficaria muito mais fácil explicar-lhe antes a Teoria da Relatividade, né não? Ora pois...
Odeio autocorreção, autoformatação, autoajuda, automóvel, autoqualquercoisa; podem deixar por minha conta, combinado? Se não gostarem, que vão tomar no toba (como se diz nas Minas Gerais e já sabia Guimarães Rosa). O pingüim é meu, então metam-se com os seus e deixem os  pingüins dos outros em paz. Espero que ninguém no espaço sideral ou cibernético interfira no meu direito ao livre arbítrio: quero do jeitinho que escrevi, absolutamente sic e não sick.
Por exemplo: nas minhas seis décadas de existência a palavra cu já foi cú, depois virou cu , depois virou cú de novo, voltou a ser cu e, mais uma vez, é cu sem o acento, espero que agora definitivamente, seja em Lisboa ou em Díli, capital do Timor Leste, onde o idioma mais falado é o tétum. Por que não deixam a gente falando que-nem o Machadão, e os timorenses falando lá o idioma que eles inventaram, hem? Alguém tem alguma coisa contra o tétum? Será que vão corrigir também a Cesária Évora?
Para constar (e não me encherem mais o saco), eu conheço perfeitamente a nova ortografia; só não uso aquilo que considero besteira, e estamos conversados. O que eu ia contar – e já estaria contando se o Microsoft Office não me aparecesse para atrapalhar – é uma coisa mais importante do que a reforma ortográfica de 2009 ou saber que pato e parente só servem pra sujar a casa da gente: vou dar-lhes o privilégio de conhecer a minha agenda existencial diária. Caso vocês estejam aí dando uma risadinha irônica, quero saber quantas agendas existenciais diárias vocês conhecem, ahn? Então.
05:30 ___ Acordar, verificar se tenho ao menos uma coisinha doendo, vestir-me, deixar a cara minimamente suportável aos mortais com alguma sensibilidade estética.
05:40 ___ Tomar um golinho do café de ontem e fumar meu primeiro tabaco, que é pros olhos abrirem até a metade.
05:50 ___ Tomar meu primeiro cafezinho quente e fumar meu segundo cigarrinho, o que fará meu cérebro tentar responder às primeiras questões existenciais do dia: onde estou?; quem sou eu?; de onde venho?; para onde vou?; Deus existe?; sou feliz?; o que é a Verdade?
06:00 ___ Comer duas fatias torradas de pão-de-fôrma (que me perdoem os acadêmicos, mas Dona Edwiges, minha professora de Desenho no ginásio, ensinou que forma é outra coisa, e eu acreditei, pois ela entendia dessas coisas, até épuras era capaz de rebater sem pestanejar, a danadinha).
06:03 ___ Fumar meu terceiro cigarrinho (baixo teor, é claro, que dá um câncer light, conforme dizem os médicos enquanto sopram suas fumaças na minha cara). Tudo isso, até aqui, enquanto leio os emails que chegaram sem anexos, pois ainda não tenho, a esta hora da madrugada, energia espiritual suficiente para aturar tanta bobagem inútil; esses ficam pra depois, quando eu já estiver com ao menos metade dos neurônios ligados.
06:11 ___ Acender meu tabaco nº.4, o que me deixará quase acordado por inteiro, podendo aí começar a ler o jornal no computador.
06:12 ___ Vou lendo: o ministro que roubou, os juízes do Supremo que absolveram o ex-governador ladrão, a presidenta com A que não sabia de nada, o general que não gostava de gays, o outro ministro jurando que não roubou, o grande centroavante que marcou seu primeiro gol em vinte partidas... De repente acordo de vez, quando vejo uma foto de Dom Lula e Dona Tótem abraçados. Paro de ler, pois já começo a ficar mal do fígado – o Grande Apedeuta, logo cedo!, ninguém merece... De qualquer modo, já sei de cór todas as notícias, inclusive as da semana que vem.
06:25 ___ Dar partida e esquentar o motor do meu veículo, enquanto vou queimando o nº.5 e sentindo aquele prazer sensual que Carlos Gardel descreveu tão bem no tango “Fumando Espero”. Podem até chamar de viatura, se preferirem, mas carro não. A menos que queiram me ofender, porque o meu é um Monza Bala 2.0 ano 1989, e quem já teve um, sabe o que isso significa, especialmente em dias frios. 
Escuta aqui, você que está lendo estas bobagens e possivelmente sorrindo da minha atual condição financeiro-automotiva: no papelzinho do IPVA está escrito que eu tenho um “carro de coleção”, tá sabendo? Daí que não pago mais imposto e aquele verde-camuflagem (que só os anos conseguem criar) me faz reconhecido em qualquer lugar por onde passo; por acaso aquele seu prateadinho básico inconspícuo consegue isso!?
Falando nisso, se alguém souber onde tem um carburador GM de época pra vender, por favor me avise, porque já procurei em todos os desmanches do litoral Norte e não há meio de encontrar um.   
06:40 ___ Agora sim: já estou pensando a todo vapor, minha pressão arterial atingiu os necessários 135 por 90, minha filhotinha me deu um baita beijo bem melado, o mundo é bom e a felicidade até existe. Estou legalzão, quase eufórico, e minha hérnia vertebral me avisa que continuo devidamente encarnado.
06:50 ___ Vamo que vamo. Primeiro deixar Dona Emília na escola onde leciona Arte, pois ela estará dentro da sala de aula cinco minutos antes de bater o sinal, haja furacão ou tsunami, mesmo sabendo que os primeiros desinfelizes só começarão a entrar dali a dez minutos, que alunos podem ser ignorantes mas geralmente são espertos pra caramba.
07:00 ___ Deixo a Laura na EMEI, não sem antes transmitir os recados dela às professoras (as princesas não pedem, é claro; mandam pedir): passar de novo o filme do Patati & Patatá, dois palhaços muito imbecis e sem graça, cuja melhor piada é caírem sentados no chão, mas ela adora; e repetir ao menos um pedaço do Peixinho Nemo ou aquela cena em que a Branca de Neve dança (tesudinha como sempre, ou melhor, como ficou depois que foi morar com os 7 anões, pois antes era tão sem graça quanto a Gata Borralheira antes de entrar na carruagem-abóbora).
07:10 ___ De volta ao lar doce lar, livre para tomar muito café e fumar muitos cigarros até completar a leitura dos emails, assistir todos os anexos, passar por todas as doutrinações de autoajuda, rever aqueles que assisti faz uns cinco anos e agora estão circulando de novo... Dependendo de quantas mensagens afetuosas chegaram nesse dia, posso ir à luta, pois ainda falta responder à pergunta principal – quem sou eu? – porém isso é secundário, já que com Deus e Jesus finalmente ao meu lado estou devidamente capacitado a dizer quem eu não sou. Ótimo, já é um bom começo. 
07:30 ___ Tendo assim sobrevivido a tanto amor e carinho, e a tão sinceras tentativas de salvar minha alma e minha sanidade mental, posso finalmente entregar-me ao prazer de ler os emails da minha amiga Marquesa de Mococa, que é também Baronesa de Nhumirim, mas isso agora também ficou secundário, porque marquesa é mais.                                                           
07:50 ___ Pronto, li todos. Leitura preliminar, por certo, que Sua Alteza é ilegível, mais misteriosa que John Le Carré antes da página 300, mas eu sabia de antemão que não ia entender nada. Vou reler, pra ver se confirmo que foi mesmo o mordomo quem matou o gato do Edgar, ainda que eu nunca tenha ouvido falar no Edgar e muito menos soubesse que ele tinha um gato. Releio mas termino em dúvida: se ele, o Edgar, era o único com razoáveis motivos para cometer o crime, por que aquela menininha aparece de inopino na história, en passant, como quem não quer nada, como quem não tem nada a ver com nada, como um banal E.T. venusiano, perguntando aos céus:
-- "Quem foi que falou aí – Agora é a minha vez de ficar por cima!?”
... sendo que eu ainda nem sabia que tinha alguém por ali, e muito menos que um estava por baixo de outrem? Hmm... isso não está me cheirando nadica de nada bem. Isso foi no email de ontem, contando que o gato entrou em óbito induzido (ou seja, foi assassinado). No de hoje ela me chama de estúpido, porém conta aquela parte da história em que aparece a tal menininha extra-terrestre, que é a chave da compreensão do mistério – e conta escrevendo com aquela sua nova técnica literária que ninguém até hoje pensou em usar como artifício de suspense, na qual os tipos gráficos são em cinemascope, feitos para a tela do antigo Cine República, com suas 2000 poltronas (e mesmo assim a gente tinha que sentar do meio pra trás, senão perdia metade do filme). Em tipos gráficos tamanho 96 só aparece uma linha de cada vez com três ou quatro palavras, então fico tentado a recomendar que ela consulte seu oftalmologista ou compre um monitor de plasma com 42 polegadas, mas desisto da ideia porque ela provavelmente vai me xingar de coisa pior que “estúpido”,  aí eu fico tristinho,  mando-a tomar no cu, ficamos de mal, essas coisas... E vejam só: não foi a menininha venusiana nem foi o mordomo quem matou o tal gato do Edgar – aliás, não foi ninguém; o gato se suicidou porque fôra (fora é antônimo de dentro, mas como eles não entendem de antônimos em Guiné-Bissau, isso é supérfluo), repito: o gato dele se matou porque fôra rejeitado pela cadelinha do vizinho. Filha da mãe! (a cadelinha, não a Marquesa); e poodle, inda por cima. Mas que gato mais besta, sô!, tanta cadela boa solta por aí, doida pra dar até prum gato deprê... Bem feito, gato idiota, sifo!
[Por oportuno: meu caro Bill Gates, pode enfiar o seu sifão no rabo.]
O resto da minha agenda vou tentar resumir, senão vira novela, e agora já resolvi que vou pôr na seção de crônicas. E ainda são oito da manhã, vai ser um dia cheio... Assim, vou pôr por aí; depois alguém traduz para o tétum e vocês já ficam avisados, param por aqui mesmo, a menos que estejam morrendo de vontade de saber como o amor é lindo.
08:30 ___ Estou na agência bancária, no centro da cidade (digamos assim, que eu às vezes aprecio um eufemismo, dado que Ubatuba está mais pra rally off road), tendo conseguido chegar até aqui sem atropelar nenhum bicicleteiro filho-da-puta trafegando pela contramão. Meu tio Hercílio era um canalha, é sabido, mas tinha razão numa coisa: caiçara é espírito de ex-escravo que reencarnou aqui pra se vingar de todos nós que em outras existências fomos brancos e feitores. Cumprindo pacientemente o meu karma, deposito um chequinho de aluno particular de violão e me sinto melhor: o cheque especial sai do roxo-velório pra ficar no vermelho-alerta-nuclear.
08:45 ___  Sentadinho e fumando na cabeleireira – eu ela deixa, é minha cúmplice na contravenção tabagística. Então a manicure, que eu nunca vi mais magra nem mais feia, me vê enrolando um cigarrinho de palha (fumo de corda importado do Rio Grande do Sul, que eu sou pobre porém sou chique) e me pergunta (fazendo o gestual correspondente) se eu sei que o certo é lamber no sentido vertical, ao que respondo:
-- Ora, então não sei?! Pois é a minha especialidade, madame, comecei a lamber antes dos 2 anos de idade. E olha que nunca chupei um picolé na vida, só gosto de sorvete de casquinha...
09:00 ___ O cabelo ficou meio mal cortado, que eu sou o único cliente masculino daquele salão e ela está com pressa, mas com tão pouco cabelo não é preciso muita arte nem frescura, e eu continuo bonito como sempre. Até porque deixei de cortar com barbeiros quando finalmente tomei consciência de que eles ficam meia hora batendo tesoura na orelha da gente só pra cortar meia dúzia de cabelinhos, e só sabem falar de futebol e mulher gostooosa, coisas mais chatas. Só os tarados e broxas ficam falando de mulher gostosa; mulher é pra degustar, comendo ou conversando ou mesmo só olhando essa maravilha da Criação, não é pra ficar falando dela, uai!... Ah, quer saber? – vai dar, meu!
09:10 ___ De volta ao lar, já estou com saudade da Laura, e ainda faltam quase três horas pra ir buscá-la na escola. Como não fumo durante as aulas, aproveito que ainda faltam vinte minutos e concentro a dose de nicotina: fumo dois enquanto jogo um pouquinho de Atari.
09:30 ___ Minha primeira aula do dia. O carinha de 12 anos me pede para ensinar-lhe "Cry Me a River".
-- Como é?! “Cry Me a River” ?! De Arthur Hamilton?! Você conhece Julie London?!
-- Quem?
-- Deixa pra lá.
Era uma nova “Cry Me a River”, de um tal Justin Timberlake, tão débil que nem foi capaz de inventar um título novo. Vou à Internet pra conhecer e aproveito para traduzir a letra, pois o carinha ainda está na fase do this is a table, what is this?  

Você era o meu sol,
você era a minha terra,
mas não conhecia todos os modos  
de eu te amar.
Então você arriscou
e fez outros planos,
mas aposto que você não pensou
que eles um dia viriam abaixo,
pensou?

Não, ela não pensou, tenho certeza; se pensasse nisso, ou se ao menos pensasse, não ia namorar um sujeitinho desses. Sei dizer que ganhei 30 real por três acordes e 45 minutos de caridosa paciência. Fiquei feliz ao saber que Mr. Timberlake tem uma rendosíssima griffe de moda jovem – quando não conseguir mais vender discos nem para a madrinha dele, já estará milionário e não precisará entrar na fila do auxílio desemprego. Melhor ainda: quanto mais cedo ficar bilionário, mais cedo o mundo fica livre de uma tal anta sonora, embora isso não resolva o problema, pois para cada um que desiste da carreira "artística" surgem outros mil. Segundo a associação americana dos produtores de discos, 200 "artistas" por semana lançam seu primeiro CD, ou seja, 10.400 novos por ano, e acumulando, acumulando, uma verdadeira praga. Não adiantaria cortar a língua deles, sempre acaba sobrevivendo aí um Oasis da vida, ou um Green Day... são invencíveis, pois sua capacidade para a feiura e a epigonia é coisa que só pode ser explicada pela tal condição humana que nem os filósofos honestos até hoje resolveram bem o que é.
10:15 ___ O segundo aluno faltou, prova insofismável de que Deus existe e é bom. Tomara que não seja por causa do vírus H1N1, atualmente epidêmico; basta que seja apenas um dedo mindinho quebrado. Então vou aproveitar para responder alguns emails, senão meus amigos podem gostar menos de mim, e são tão poucos...
Considerando que eu dei minhas primeiras aulinhas de violão em 1962, estou completando 50 anos como professor de música. Meio século! Nunca, em nenhum momento, estive sem alunos: 1 ou 2, nos períodos em que ensaiava e tocava com minhas bandas, até 120, quando minha mulher e eu tivemos uma escola de música. A menos que eu seja um caso patológico de masoquismo, é no mínimo presumível que eu goste de ensinar música, não é? Aceitando como verdade que eu gosto de fazer isso, aproveito para dizer que há alunos e alunos – o maior ou menor talento nunca fez diferença pra mim; mas o gosto pelo ato de tocar, sim, é isso que conta. Nunca espero que sejam gênios, porém sempre quero perceber que eles tiram prazer de fazer música por si mesmos. Mas há aqueles que não se dedicam minimamente durante a semana e chegam à aula com sua enorme cara de pau, dando ridículas desculpas e achando que estão me pagando o bastante pra ficar ali estudando com eles, como “dama de companhia”. São esses que, quando faltam à aula, me fazem dar graças a Deus. 
11:00 ___ Segunda aula do dia: "Retalhos de Cetim". Êba!, Benito de Paula, já melhorou mir veiz (até porque podia ser alguma “música” do Alexandre Pires ou Bruno & Marrone, já pensou?). Saí no lucro, ganhei mais 30 real e, feliz ou infelizmente, só terei mais aulas às 7 da noite, isso é que vida boa. Meu avô me chamaria de chupim, aquele que vive à custa de mulher professora; na minha família Zimmermann era praticamente uma indecência imperdoável casar com uma professora, absoluta falta de decoro.
11:55 - Saio correndo pra buscar a Laura e (se não cair a chuva que está ameaçando) ficar 15 minutos brincando com ela nos balanços e escorregadores do parquinho, enquanto levamos leros estratosféricos: hoje ela é a Bel e eu sou o Garibaldo; amanhã ela vai ser a Emília e eu vou ser o Conselheiro – talvez ela queira ir me preparando para o futuro próximo, deve me achar ótimo no papel de burro falante.
12:20 ___ Pegar a mamãe na escola e ir correndo pra casa, que ela precisa almoçar seu chuchu com beterraba e estar de volta à escola antes das 13:00. Hoje à noite, morrendo de fome e após 10 horas aturando os protogênios que ela insiste em ensinar, provavelmente vai comer dois sanduíches de filé acebolado na frança com maionese Hellman's, engordando 300 dos 100 gramas que emagreceu no almoço mas jurando que em dezembro vai estar usando biquíni branco na praia; enquanto a espero almoçar fico com a Laura na Internet, sendo ela quem usa o rato e navega, eu só censuro quando ela quer entrar na Xuxa: pornografia infantil é crime, não pode, e eu tenho minhas responsabilidades de pai, não é mesmo? Duro é que ela consegue assistir dez mil vezes certos desenhos, incluindo o Mickey, que eu odeio (meu melhor amigo é home sexual, porém detesto bichinhas, como esse ratinho besta). O diabo é que ela cada vez gosta mais do Mickey e da Minnie, outra chatinha (sou muito mais a Cuca ou a Bruxa Malvada do Oeste, cá entre nós). Eu bocejo mas aguento firme –  de que coisas é capaz o amor, reflito, e medito ainda: bem, a Laura já tem uma profissão garantida na vida – dubladora de desenhos, decora todas as falas de todas as personagens de todos os desenhos de todos os canais.  Ou então roteirista: ontem inventou uma história do Punzinho Fedido que queria namorar uma Punzinha Cheirosa... mas vou poupá-los do final dessa história levemente escatológica.
12:55 ___ Táxiiii! Papaaaaaiiiê, a Momãe tá prooontaaaa!!!
Então lá vamos nós levar de novo a professora para o seu cruel destino;  a babá sobe com ela, eu vou almoçar, fumar na minha sala, ler um pouco, depois tirar uma pestana – ô, vidão, sô! Nada como ser um bom chupim...
14:30 __ Vou mexer com minhas músicas e audiovisuais. Preciso acabar hoje sem falta o Hino da Escola Estadual Sueli Figueira dos Santos, que Pro Emília me pediu para compor, mesmo eu achando altamente duvidoso que a Diretora e o Supervisor e a Delegada de Ensino admitam que isso seja mesmo um hino (no You Tube vocês vão poder escutar, é a última faixa do vídeo “Jazz & Cia – parte 4”).
15:30 ___ Consegui. Dou uma entrada no estúdio Sound Up, do maestro Mauro Juliani, pra ver se vai rolar algum trampinho extra (pois, se não pintam umas partituras, como é que eu vou trocar os pneus do Monza Bala 89?). Nicas, então aproveito pra encher um pouco o saco desse meu afilhado músico/produtor, faço mil-e-umas perguntas irrespondíveis sobre engenharia de áudio, ele suspira mas tem uma paciência de Jó, afinal ninguém mandou ele me convidar para padrinho de casamento, eu bem que aconselhei insistentemente que escolhesse lá um tio rico, que nunca o aborrecesse e ao menos desse uns presentes interessantes.
17:00 ___ A empregada vai embora e eu vou passear com a Laura, visitar os cachorros e gatos do bairro, ir à sorveteria Kibon (que é o único de verdade), então brincar na pracinha perto de casa, ou pegar ondas de barriga nalguma praia balneável, comer batatas chips num quiosque ou pastel de palmito no China. A opção é ir à biblioteca municipal, onde eu tiro um livro e ela tira outro, sendo que eu escolho rápido, ela demora meia hora até decidir por alguma coisa tipo “As Cobras da Mata Atlântica”, ou (de novo!) ir ao aquário ou ao Tamar. Enquanto isso eu tento entender como é que alguém pode gostar tanto de olhar tartarugas – todas iguais, lentas, não falam com a gente, umas bestóides, mas ela adora, talvez porque na saída sempre come uma tartaruguinha de chocolate com baunilha, o que deve compensar a chateação dos quelônios. Vou escutar mais uma vez as lições dela sobre as diferenças entre jaboti, cágado e tartarugas de couro, cabeçudas, olivas, carnívoras e sei lá que outras espécies, coisas da mais alta importância, pois ela conhece todas aos 5 anos, portanto em breve estarei fudido, vou ter que escutar que "papai não sabe nada de nada, é um burrinho, mas eu te amo".
18:00 ___ Buscar a Professora e levá-la à outra escola, para alguma reunião de professores onde serão lidas trocentas atas da Secretaria de Educação e vão planejar trocentas maneiras de não ensinar nada que valha a pena ser ensinado. Sempre que tenho oportunidade digo às professoras e diretoras que elas são o braço armado do sistema, preparando as novas gerações cada vez mais imbecilizadas, e aproveito pra contar que meu hino é "Another Brick On The Wall", do Pink Floyd:
“We don't need no education,
we don't need no mind control,
hey, teacher, leave our kids alone".
Obviamente elas me odeiam só um pouquinho, mas não podem fazer grande coisa, porque bem ou mal entrei duas vezes na USP, fui aluno de Florestan Fernandes e Paulo Freire, assistente de Koellreutter no Instituto de Estudos Avançados da USP, li (e entendi!) Platão, Kant, Hegel, Engels, Marx, Gramsci, Nietzsche, além de Shakespeare (no original), Flaubert (no original), Garcia Lorca (no original)... cês sabem que modéstia nunca foi um dos meus defeitos. E outros quetais, quer dizer: comigo o buraco é muito mais embaixo, não adianta espernear, e nem vem de garfo que hoje é dia de  sopa.
Na minha escola (Liceu Pasteur, sem falsa modéstia) não havia reunião nenhuma, nem dia da Árvore, das Mães, dos Cambau, nada disso. Era assim: estuda pra caramba, de segunda a sábado, das 7 ao meio dia, depois se forma (ou sai e vai estudar no Colégio Ipiranga ou em alguma espelunca para vagabundos), depois escolhe a faculdade preferida, faz vestibular e entra e boa. Ou larga a Medicina ou Jornalismo no segundo ano – como eu e meu sobrinho Mestre Internacional de Xadrez fizemos – e vai ser feliz na vida fazendo outra coisa, simples assim. Ou seja, faz como Paulo Francis:
-- Prefiro ser vaiado na rua do que aplaudido na Academia Brasileira de Letras.
Aí uma professora lá, fazendo a melhor cara de ironia que sua inteligência permite (eu apostaria em algo entre 82 e 90), me diz:
-- Então o Senhor é mesmo um gênio, não é? – ao que respondo:
-- Não Senhora! Meu Q.I. nunca passou de 140, graças a Deus! Ocorre que eu não sou um preguiçoso mental, e não finjo que estudo, e nunca estive preocupado em fazer carreira nem virar diretor de nada, e detesto ser ignorante, e sou sinceramente honesto com a profissão que escolhi, só isso. E a Senhora, é?
20:10 ___ Minha última aluna acaba de telefonar, muito envergonhada: não vai poder vir à aula de hoje. Eu não disse que Deus é bom?! Aleluia, Gretchen! Ôpa!, isso não; aleluia, Juliette Binoche!!! Mais um tabaquinho em sua homenagem. 
20:30 ___ Supervisar a comidinha da Laura; ou, melhor dizendo, apreciar o esporco que ela faz comendo sozinha e dizendo: "eu já sei fazer tudo sozinha". Sabe mesmo, inclusive levar tombos homéricos e viver com os joelhos ralados, fora as mordidas que ela leva dos coleguinhas – pois morrem todos de ciúme dela, tanto os machinhos como as femeazinhas, enquanto eu vivo ameaçando abrir um processo por bullying no Conselho Tutelar, he he, a diretora e as professoras agora me tratam melhor do que se eu fosse primeiro ministro.     
22:15 ___ Laura dorme. Finalmente livre para namorar, escutar música, assistir algum filme ou, o que é mais comum, ajudar Dona Emília nos tais planejamentos e relatórios e outras idiotices ditas pedagógicas.
24:00 ___  Devidamente podre, rango um queijo quente com tomate e deito para assistir um pedacinho de telejornal. Detalhe: nunca tenho insônia.
Descobri há muito tempo que a felicidade não se encontra em nenhum lugar, só no coração da gente. Meu avô Fritz sabia disso, pois me ensinou: mais vale uma mula velha no quintal da gente do que dois burros novos pastando no latifúndio alheio. E mais não digo nem me perguntaram.

                                 Dvcor, non  dvco. Assinado: Fredericus Rex.

ADENDO – como eu antecipava, escutaram o hino lá na escola e disfarçaram educadamente uma arregalada de olhos que poderia ser traduzida assim:
-- Mas isso é um hino?!